Filmes

Foram analisadas 20 obras de longa-metragem de ficção (excluindo o gênero experimental) produzidas (ou coproduzidas) por empresas do Distrito Federal, lançadas comercialmente em salas de cinema no Brasil, de 1995 a 2018.
No escopo deste trabalho foram realizadas análises de representatividade na equipe técnica e no elenco principal e de representação pela ótica de gênero, raça e LGBTQIA+ a partir das personagens principais do filme, pelo ponto de vista de suas ações e narrativa da história.

A análise de representatividade foi realizada na equipe técnica e no elenco principal. Para identificação de ficha técnica principal foram utilizadas as funções descritas pela ANCINE nos relatórios de participação feminina na produção audiovisual brasileira (2015, 2016, 2017 e 2018): direção, roteiro, produção executiva, direção de fotografia e direção de arte.

Foi utilizada a definição de “elenco principal” como sendo aquelas pessoas colocadas em destaque nos créditos iniciais ou finais de cada obra, não sendo consideradas parte do elenco principal as atrizes e os atores determinados como participação especial.

O relatório utilizou a metodologia de heteroidentificação, pela classificação por terceiros, e quando havia dados disponíveis, a autodeclaração, por meio de entrevistas, depoimentos e outros documentos.

Cada profissional foi analisado por um pesquisador e revisado por dois avaliadores diferentes, nos casos em que havia dúvida. Os casos em que se manteve a divergência foram levados a um grupo formado por seis pesquisadores, para deliberação final.

Para classificação de gênero, foram utilizadas as categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, utilizando o nome presente nos créditos dos filmes e fotografias públicas do profissional.

Na identificação, foi atribuído o gênero feminino para mulheres (cis e transexuais), e gênero masculino para homens (cis e trans) e também foi acrescida a categoria “não binária” nos casos que havia a possibilidade de classificação de autodeclaração, nos dados disponíveis em entrevistas, depoimentos e outros documentos. Tendo em vista as limitações da metodologia de heteroidentificação não foi possível ampliar o escopo para distinção em cis e trans, entendendo a complexidade da questão.

Para raça foram também utilizadas categorias do IBGE (branca, negra -preta e parda, indígena e amarela) a partir dos nomes nos créditos dos filmes e de fotografias públicas. Nas análises, optou-se por fazer uma indicação individualizada de pardos e pretos. Para a classificação de pessoas negras, foi somada a população preta à população parda – conforme a classificação do IBGE. Tendo em vista que o método escolhido é baseado em fotografias e imagens disponíveis, podem haver distorções devido ao impacto de iluminação, maquiagem, modificações em fotos, caracterização de personagens nos casos que que a autodeclaração de raça estava disponível no material analisado, esta foi usada.

Na análise de representação pelas óticas de gênero, raça e LGBTQIA+, cada filme foi descrito por um pesquisador e posteriormente validado por mais dois diferentes. As análises são baseadas no discurso que a obra apresenta em tela e na interpretação como espectador, podendo haver divergências entre a intenção do autor/diretor da obra e a percepção do público referente aos temas analisados.

Vale também destacar que por se tratarem de obras de um período de 23 anos, as representações podem refletir os discursos e realidades da época em que foram realizadas e não necessariamente estão relacionadas ao que autor/diretor da obra pensam atualmente.

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1995
Louco por Cinema
Tags: Cinema; metalinguagem; loucura; amizade.
Sinopse: Um paciente em uma instituição mental lidera uma revolta e exige uma câmera de cinema como resgate.
Equipe técnica principal
feminino
20%
branca
100%
Mulher(es) da equipe técnica principal: direção de arte de Maria Carmen de Souza.
Elenco principal
feminino
20%
parda
6.7%
preta
13.3%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

No filme, um paciente em uma instituição psiquiátrica, Lula, lidera uma revolta e exige uma câmera de cinema e seus antigos colegas, realizadores de um filme, como resgate.

Em relação à representação de mulheres, Dra. Vera (Denise Bandeira) é uma das personagens principais, tendo bastante destaque durante todo o filme. Ela acredita na recuperação de Lula, o protagonista, e quando ocorre o sequestro, é a responsável por fazer as negociações. Há também a formação de par romântico entre Vera e Lula.

Lula exige a presença de toda a equipe de filmagem que trabalhava em “O caminho da serpente” há 20 anos, quando o diretor Eugênio faleceu, como condição para que as pessoas sequestradas fossem soltas. Dentre as pessoas solicitadas por Lula para fazer o seu filme estão Alice Mary (Noemi Marinho) e Madalena Matos (Bidô Galvão), personagens que quando entram na narrativa reforçam a representação das mulheres no filme. Elas vão ajudar a contar a história de Lula a Vera, inclusive com uma longa cena com as três na casa da Madalena.

O único negro entre os antigos companheiros de filmagem de Lula, o Narguilê (Renato Matos), é descrito pelo delegado como o único que tinha ficha na polícia, o que reforça estereótipos negativos em relação aos homens negros. Ele ainda é levado na parte de trás do carro da polícia, com gritos racistas e de intolerância religiosa por parte dos policiais como: "nego safado", "tu tem cara de macumbeiro" etc. Dentre as pessoas solicitadas por Lula para que o sequestro no hospital psiquiátrico seja finalizado, Narguilê é o único tratado de forma pejorativa e agressiva na abordagem dos policiais.

Em relação à representação LGBTQIA+, há a personagem de Sílvio Bellochio (Emerval Crespi), um homem assumidamente gay, que é levado de dentro de sua casa quando está com seu companheiro. Na cena que se passa na casa deles, os dois estão vestidos de mulheres.  Sílvio troca de roupa, já o seu companheiro, Chico Sant'anna, o segue ainda com roupas caracterizadas como femininas. Antes da interrupção pelos policiais, os dois reclamam de como haviam sido tratados na noite anterior, de certa forma, fazendo uma crítica a como as travestis são tratadas. Os dois parecem ter uma relação estável, contribuindo positivamente para a representação de uma relação homoafetiva. Como a personagem de Chico Sant'anna está sempre caracterizada com roupas femininas, mesmo não se autodeclarando verbalmente como uma travesti, e o ator que a interpreta é um homem cis, poderia ser caracterizada a presença de transfake.

1999
No Coração dos Deuses
Tags: Aventura; viagem no tempo; histórico; caça ao tesouro.
Sinopse: Pedro encontra um homem ferido na beira do riacho, e ele o presenteia com um estranho mapa. O seu tio, Gabriel, suspeita que seja o roteiro dos Martírios, o tesouro mais valioso escondido no Brasil. Junto com um grupo de aventureiros, os dois acabam por viajar séculos, para o tempo dos Bandeirantes, em busca desse misterioso prêmio.
Equipe técnica principal
feminino
20%
branca
100%
Mulher(es) da equipe técnica principal: produção executiva de Mallú Moraes*
*Divide a função com Geraldo Moraes.
Elenco principal
feminino
16.67%
parda
4.55%
preta
4.55%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O filme é uma aventura do tipo caça ao tesouro que parece se inspirar em obras do mesmo tipo do cinema americano, porém se destaca pela utilização de estereótipos tipicamente brasileiros. Também se baseia em eventos de nossa história nacional, em especial a dos bandeirantes, para tecer uma narrativa de teor fantástico. O elenco é majoritariamente composto por homens e os papéis de gênero são extremamente rígidos. Não há sequer uma mulher no grupo de aventureiros que viaja no tempo, o que significa que todas as personagens femininas são “mulheres do passado”.

Dentre elas, três merecem ser citadas: duas são prostitutas que acompanhavam os bandeirantes, mas foram abandonadas à própria sorte, enquanto a terceira é uma indígena que foi separada do resto da tribo. A caracterização dessas personagens também é bastante superficial. Não sabemos muito sobre elas e suas personalidades não possuem traços marcantes como a dos personagens masculinos. Tauana (Rosa Castro), a mulher indígena, é corajosa, mas dócil e forma um relacionamento romântico com Pedrinho (Bruno Torres), um dos personagens centrais da trama. O romance, no entanto, não é relevante na narrativa. A cozinheira (Iara Jamra) é a mais rude das três mulheres, está frequentemente reclamando, inclusive das amigas e é também um tanto tola, esquecendo a sua parte do mapa do tesouro no banho. Quanto a ela, vale a pena ressaltar a cena em que um dos invasores estrangeiros prova a sua comida e decide que ela agora “vai cozinhar pra ele”, levando-a embora pelos cabelos. Ela não resiste, e parece até satisfeita com o desfecho de sua história. A última das personagens mulheres é Catarina (Mallú Moraes) que é a única delas a chegar até o fim da jornada e encontrar o tesouro (juntamente com outros seis personagens homens). Sua personalidade é mais branda e silenciosa, a ponto de não sabermos muito do que pensa ou sente a respeito do que acontece à sua volta. A sua característica mais importante é o seu sonho de trilhar um caminho que ela mesma pudesse escolher. Ainda sobre as personagens femininas, é importante ressaltar que são constantes vítimas de machismo tanto pelos personagens principais - os mocinhos que vieram dos ‘tempos atuais’ - quanto dos diversos antagonistas. São diminuídas e desprezadas, tendo suas habilidades físicas e mentais questionadas a todo momento. Um dos principais perpetradores desses atos é Gaspar Correia (Antônio Fagundes), um dos personagens centrais da trama, que diversas vezes expressa o seu desprezo por elas através de bufos (“Mulheres!”) e outras reclamações. Ele só as aceita em seu grupo por serem necessárias para que ele consiga chegar até o tesouro e não parece mudar seus preconceitos até o final da trama.

Quanto à questão de raça, é necessário ressaltar a representação das personagens indígenas. Com exceção de Tauana, as outras pessoas indígenas são sempre representadas em grupos bastante territorialistas e que possuem uma forte bússola moral: só atacam se forem ameaçados. Há também uma cena em que o pajé de uma das tribos conversa com Pedrinho sobre as diferenças entre indígenas e brancos e sobre a superficialidade e a inutilidade do dinheiro. Tauana, única personagem indígena do grupo de protagonistas, é interpretada por uma atriz branca. Por fim, vale a pena mencionar também o personagem Simão (Cosme dos Santos), o único homem preto do grupo de aventureiros. Desde o início do filme, ele é injustamente responsabilizado pelos atos de outros e sofre racismo (“Só podia ser um preto”). Em determinada cena, Simão e outro personagem que conhecemos apenas por “Capelão” (Mauri de Castro) veem um casal indígena se banhando. O Capelão tem a terrível ideia de capturá-los e vendê-los como escravos. Simão se opõe a ajudá-lo e o Capelão passa então a ameaçá-lo, apontando um revólver para a sua cabeça: “A partir de agora você vai ser meu escravo,” ele diz. É importante ressaltar que o capelão é um dos membros do grupo de aventureiros, um dos ‘mocinhos’ por assim dizer. Em nenhum momento o personagem é de fato punido pelas barbaridades que comete. Quanto a Simão, no fim do filme, ele decide se separar do restante do grupo por medo de acabar como escravo. “Eu vou é procurar o meu quilombo,” ele fala ao se despedir de Pedrinho e seu tio.

Não há personagens LGBTQIA+ no filme.

2005
As Vidas de Maria
Tags: Brasília; Mulheres Protagonistas.
Sinopse: O filme conta a vida de Maria, que nasceu no dia da inauguração de Brasília, e mostra o amadurecimento da cidade e da mulher. Com a morte da mãe no parto e a partida do pai em busca de emprego, ela vai morar com o padrinho, motorista de um deputado.
Equipe técnica principal
feminino
16.6%
parda
20%
Direção de arte de Fatah Mendonça*.
*Divide a função com José Roberto Furquim.
Elenco principal
feminino
31.25%
preta
6.25%
parda
12.5%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O filme é centrado - como aponta o título - na vida da protagonista, Maria, interpretada pelas atrizes Giulia Dainez Roque, Ingrid Zago, Sthefany Brito e Ingra Liberato, as duas últimas vivendo os momentos mais importantes da trama. A voz em off de Ingra é que narra a história. Maria perde a mãe no parto. O seu pai é muito carinhoso e cuidadoso, mas quando os trabalhos da construção de Brasília vão acabando, ele resolve buscar o seu ganha-pão na Transamazônica. O pai não retorna e Maria passa a morar com o seu padrinho José (Gésio Amadeu) na casa dos seus empregadores, um deputado, sua mulher e seu filho.

José é um dos únicos dois atores negros no filme. A personagem de José é afetuosa, é cuidadosa com a afilhada, que assume como filha. Porém, temos a representação de um homem negro - um dos protagonistas da trama - na posição de motorista de uma família branca e rica. O filho da família, Fernando, é um homem criado com todos os privilégios e que não tem respeito pelas pessoas. Já na primeira cena em que Nando aparece, ainda criança, ele passa por cima das flores que o pai de Maria acabou de plantar. Na adolescência, esse comportamento chega ao extremo. Nando chama Maria para sair com ele e com alguns amigos, inclusive com a desculpa que Rodrigo, um menino pelo qual Maria nutria sentimentos, iria. Nando leva Maria para um lugar isolado e estupra a garota, com a cumplicidade e ajuda de outro amigo, Pedro, e na frente de Rodrigo. Maria, após o crime, e na condição na qual se encontrava, morando na casa da família do rapaz que a estuprou, fala que pela primeira vez precisava tomar a decisão de afundar na culpa de um pecado que não cometeu ou juntar todas as suas forças e seguir em frente. Fernando segue impune e, pouco depois, é mandado para a Europa devido ao seu envolvimento com o tráfico de drogas. Além disso, vale destacar que o estupro foi usado como recurso narrativo para desenvolver ou "fortalecer" a personagem feminina, o que infelizmente ainda é muito comum em obras audiovisuais. Na fase adulta, depois de ficar casada por sete anos, Maria decide se divorciar. É assim que se inicia o filme e sua história é apresentada por flashbacks. Com a separação vem a independência (se divorciar de um homem que não ama, fazer faculdade, ter e criar um filho, e ir atrás de suas origens).

Outro personagem relevante é Tiago, que após ser atropelado pelo ex-marido de Maria, torna-se seu grande amigo. Tiago é, como ele mesmo diz, “a minoria da minoria da minoria: nordestino, canhoto, negro e viado”. Ele também é um cara inteligente, leve e leal. Ele faz com que Maria se arrisque mais, faz com que ela questione seus desejos, seu passado e o seu futuro. Tiago é um dos principais personagens, porém o seu arco dramático está lá apenas para apoiar a narrativa de Maria.

Mesmo com essa questão, Tiago é uma personagem abertamente gay. O filme, assim, tem representação LGBTQIA+ no enredo. Outro ponto que vale destacar da história de Maria é que ela fala abertamente que fez um aborto, ressaltando o direito de escolha das mulheres. No final de sua narrativa, Maria escolhe ter um filho com seu amigo Tiago, formando uma família à sua maneira, unida por afetos.

2005
Filhas do Vento
Tags: Irmãs; representação negra; sonhos; liberdade; racismo.
Sinopse: Maria "Cida" Aparecida foge de casa para ser atriz enquanto sua irmã, Maria "Ju" da Ajuda, fica na cidade, casa-se e cuida do pai, Zé das Bicicletas (Milton Gonçalves). As irmãs se reencontram anos depois, no enterro do pai, trazendo à tona histórias do passado e a relação da família.
Equipe técnica principal
feminino
20%
preta
20%
Direção de arte de Andrea Velloso.
Elenco principal
feminino
68.75%
preta
91.67%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O filme é focado na vida de quatro mulheres negras fortes, as irmãs Cida (Taís Araújo e Ruth de Souza, em diferentes fases) e Ju (Thalma de Freitas e Léa Garcia), que escolheram destinos diferentes, e suas filhas, Dora (Daniele Ornellas) e Selma (Maria Ceiça). As filhas do vento, definição apresentada por Zé da Bicicleta (Milton Gonçalves) no filme, têm dois tipos: as “desgarradas” como Cida e Dora, que não criam raízes, são livres e artistas; e as que fincam raízes e estão sempre por perto como Ju, que possui gênio forte, não perde o prumo e se “atraca” com um rapaz diferente toda vez, mas nunca vai embora.

Zé da Bicicleta, pai de Cida e Ju, é um homem severo, conservador, inconformado por ter sido abandonado pela esposa, que decidiu ir embora com o circo. Ele projeta nas filhas e netas seus anseios de forma rígida. Cida não se conforma com a vida na cidade pacata e é apaixonada por novelas. Após um mal entendido com o pai, sai da cidade e se torna atriz, construindo uma carreira sólida, mesmo em um universo racista, marcado por papéis secundários. Já sua irmã Ju, uma mulher simples com personalidade forte, escolheu ser dona de casa, sendo responsável pelo cuidado de toda a família. Além disso, escolheu não ficar presa em um só relacionamento, mesmo com uma relação duradoura com Marquinhos (Rocco Pitanga), que vai e volta ao longo dos anos, sem amarras nem compromissos. Dora, filha de Ju, é poeta e saiu de casa para viver com sua tia Cida. Ela tenta alcançar seu sonho de ingressar no audiovisual, mas se depara com muitas dificuldades. Selminha é Tenente da Marinha, tem uma relação complicada com sua mãe Cida, a quem culpa por não dar tanta atenção à filha e não revelar a identidade do seu pai. A morte de Zé da Bicicleta traz à tona todas as questões não resolvidas entre Cida, Ju, Selma e Dora, evidenciando as diferenças e semelhanças entre as irmãs, sobrinhas e tias. “Filhas do vento” é um filme centrado nas relações familiares, no racismo da sociedade e principalmente na força das mulheres negras. Todavia, vale pontuar que as cenas de sexo presentes no filme apresentam uma exposição maior das personagens mulheres do que dos personagens masculinos.

O filme não possui menção a LGBTQIA+.

2006
A Conspiração do Silêncio
Tags: Ditadura; histórico; ativismo político; violência.
Sinopse: Nos anos 70, durante a ditadura militar, um grupo de militantes políticos forma a Guerrilha do Araguaia. O filme conta a história desse movimento do início ao fim, intercalando ficção com depoimentos dos sobreviventes e outros envolvidos.
Equipe técnica principal
feminino
11.11%
parda
28.57%
Roteiro de Paula Simas*
*Divide a função com Ronaldo Duque e Guilherme Reis.
Elenco principal
feminino
28.57%
preta
14.29%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

Apesar de se tratar primordialmente de um filme de ficção, A Conspiração do Silêncio, intercala a sua narrativa com entrevistas com os sobreviventes e outros envolvidos no evento real para contar a história da Guerrilha do Araguaia.

O filme é narrado principalmente por Padre Chico (Stephane Brodt), porém a personagem é mais uma observadora dos eventos do que de fato protagonista. Além dele, há um vasto número de personagens mais ou menos importantes: guerrilheiros, moradores da vila e militares, entre outros. A vasta maioria destes são homens, muitos deles brancos.

Por passar-se nos anos 70, há quase cinquenta anos, os papéis de gênero que mulheres e homens ocupam parecem, muitas vezes, datados. Por outro lado, há um número pequeno, mas não insignificante, de mulheres guerrilheiras, algumas delas participando das cenas de ação e nem sempre vinculadas a um par romântico.

O tema ‘ser mulher guerrilheira’ é brevemente tratado pelo filme em uma cena em que um pequeno grupo delas discute o tema, ressaltando que são tão capazes quanto os homens em suas tarefas (no entanto é visível a divisão entre homens - jogando futebol - e mulheres - conversando - no grupo). Também é importante ressaltar o depoimento de Alice, uma das sobreviventes, dizendo que a direção e os militantes do partido achavam que mulher era “um problema, um trambolho” e que “guerrilheiro é homem”, o que revela que essa divisão retrata a realidade do que era vivido nessa época.

As mulheres são, também, vítimas de assédio sexual e estupro. Há a menção de um estupro de uma menina de treze anos na primeira metade do filme. Mais tarde uma das guerrilheiras é ferida e estuprada pelo mesmo homem e, por fim, quando Dora (Françoise Forton) é capturada pelos militares, ela é levada com a roupa rasgada e a parte superior do corpo exposta.

Há, também, uma cena em que é revelado que uma das guerrilheiras, Alice, está grávida. A regra do grupo é de que, nesses casos, deve-se abortar. O seu parceiro, no entanto, não quer que ela aborte e discute com os outros membros do grupo (todos homens). Em nenhum momento sabemos qual é a opinião daquela mulher sobre ter ou não ter a criança, pois ela é excluída da discussão.

Quanto à questão de raça há, como mencionado anteriormente, uma prevalência de personagens brancas. A personagem negra de maior destaque é Osvaldão (Northon Nascimento). Ele é retratado como um dos guerrilheiros mais capazes e experientes, que conhece bem a região e é amigo de todos. Também é corajoso e projeta uma aura de confiança e liderança.

Por fim, faz-se necessário mencionar as cenas em que há discriminação explícita: machismo, racismo e homofobia estão presentes de forma recorrente no discurso dos vilões, os militares. São insultos muitas vezes seguidos de atos de violência que caracterizam essas personagens como muito mais brutais e terríveis que seus rivais, os guerrilheiros.

Não há personagens LGBTQIA+ no filme.

2009
Se Nada Mais Der Certo
Tags: Crime; capitalismo; violência; relações pessoais.
Sinopse: Um grupo de amigos da classe média paulistana se une tendo a dificuldade financeira como algo em comum. Decididos a mudar radicalmente a situação, eles planejam um golpe que pode transformar suas vidas.
Equipe técnica principal
feminino
16.7%
amarela
20%
branca
80%
Produção executiva de Lili Bandeira*
*Divide a função com Lê Brasil, e quem não foi possível identificar o gênero.
Elenco principal
feminino
40%
branca
100%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O filme conta a história de Léo (Cauã Reymond), Marcin (Carol Abras) e Wilson (João Miguel). Os três vivem em São Paulo e estão passando por problemas financeiros. Léo é um jornalista desempregado, que divide a casa com Ângela (Luíza Mariani) e seu filho, junto com a empregada doméstica, Leda (Adriana Lodi). Marcin, não é Marcinho e nem Marcinha, é traficante de drogas e popular na região, e por isso precisa sumir, por ser ano de eleição. Wilson é motorista de táxi, conheceu Marcin na noite paulistana, à procura de clientes. Wilson está depressivo, perdeu o pai, que se suicidou, e anda por aí com a arma com a qual ele se matou. Os três acabam criando um vínculo afetivo muito forte, de intimidade e carinho, enquanto tentam sobreviver na cidade grande.

Do ponto de vista da representação LGBTQIA+, esse filme apresenta duas personagens: uma travesti, a Sybello (Milhem Cortaz) interpretada por um homem cis, personagem sem muita dimensão, que vive da prostituição e do crime, e Marcin, personagem mais complexa, tanto na sua construção quanto no entendimento de sua própria sexualidade. Na obra, não foram identificados elementos que nos permitam definir a personagem Marcin como não binária, como homem trans ou em qualquer outra classificação. Por esse motivo, optamos por nos referir à personagem com pronomes masculinos, seguindo o que é feito no próprio filme. Marcin namora uma garota, dança com as prostitutas da noitada paulistana e se relaciona com Léo. Ambos Léo e Wilson gostam de Marcin. O filme é dividido em atos, e bem no final fica claro que Marcin fugiu de casa para ser quem ele queria ser: Marcin, só Marcin. Ele vê uma menina de vestido quando se olha no espelho, e sofre quando precisa colocar um.

Quanto à representação das mulheres, a personagem com mais tempo de tela é Ângela. Ela é viciada, tem um filho pequeno e não consegue arrumar um trabalho. Ângela não é casada com Léo, ela simplesmente vive lá. Um dia precisou de um lugar para morar e foi para lá com o filho. Léo faz de tudo para cuidar dela, tanto que parte da razão pela qual Léo aceita fazer parte dos planos de Marcin é para conseguir os cem reais necessários para comprar de volta a identidade perdida de Ângela (a outra parte é não deixar os amigos, Marcin e Wilson, na mão na hora que eles mais precisam). A personagem de Ângela vai além do seu vício, já que ela possui um arco dramático próprio que consegue ser desenvolvido ao longo do filme.

O filme conta somente com uma atriz negra, Roberta Rodrigues, que faz o papel de Isabel (de acordo com créditos finais do filme), a amiga de uma amiga de Léo. Todos os demais atores são brancos.

2010
Federal
Tags: Combate ao tráfico de drogas; violência policial; tortura.
Sinopse: Daniel, Vital, Lua e Rocha são quatro policiais que atuam juntos em uma operação antidrogas. Eles têm formas diferentes de trabalhar, o que gera muitos conflitos. No entanto, precisam descobrir em quem podem confiar para se manterem em segurança e desmontarem uma perigosa quadrilha de tráfico internacional.
Equipe técnica principal
masculino
100%
branca
100%
Elenco principal
feminino
25%
preta
16.67%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O filme é centrado nos quatro policiais principais, Daniel (Selton Mello), Vital (Carlos Alberto Riccelli), Lua (Cesário Augusto) e Rocha (Christovam Neto), todos homens. As personagens femininas orbitam ao redor dos homens e são construídas sem arco dramático próprio.

Apesar de todas serem coadjuvantes, existem mulheres com papéis de maior e de menor destaque no longa-metragem. Dentre as de maior destaque, podem ser listadas as companheiras de Vital e Lua e as amantes de Daniel e Rocha.

Leila (Analú Silveira) é companheira de Vital, está grávida e só existe na obra em função do marido. Aparece esperando por ele em casa, pergunta como foi seu dia de trabalho, transa com ele e depois chora a morte dele. A única vez em que falam sobre um assunto que não é referente a ele é quando Vital pergunta como foi a ecografia que perdeu, mas o assunto continua sem ser Leila e sim o bebê. Sua participação no roteiro tem a função de humanizar o policial ao mostrá-lo no âmbito doméstico e familiar.

Paula (Solange Debarros) aparentemente é esposa do policial Lua e, assim como Leila, não sabemos nada sobre sua vida. Nesse caso, a personagem é inserida na obra para mostrar uma situação familiar estremecida e um casamento que está acabando. Ela só aparece em cena tentando conversar com o marido, sendo ignorada e posteriormente abandonando-o, quando ele, que é alcoólatra, volta a beber.

Sofia (Carolina Gómez) se apresenta como diplomata venezuelana e torna-se amante de Daniel. Suas participações na obra são restritas a sensualizar, usar drogas, transar com Daniel e ser mostrada nua. Em determinado momento, ela é presa e Daniel é o policial responsável. Ele dá dois tapas na cara dela e, em seguida, os dois protagonizam uma cena de tensão sexual muito problemática. Eles se beijam, se tocam e Daniel tira drogas escondidas na vagina dela. Há um óbvio desequilíbrio de poder, ela estando sob a custódia da polícia e ele sendo o policial responsável pelo interrogatório. Em nenhum momento isso é questionado.

Por fim, em determinado momento, Rocha elogia Daniel por uma atitude do colega no trabalho e diz que ele está merecendo "variar de buceta". Como um presente, ele lhe entrega o telefone de uma "gostosona que está comendo", tratando a moça como um produto a ser passado adiante quando algum amigo merece. A personagem não tem nome (nos créditos é indicada como Gata Loira) e aparece no filme apenas em uma cena em que está transando com Rocha. Ele chama-a de "nêga burra" enquanto transa com ela. Ao terminar, ela é chamada de piranha e de vagabunda enquanto Rocha puxa o seu cabelo. Ela só ri e chama-o de gostoso, como se gostasse das atitudes dele. Dessa forma, pode-se concluir que, dentre as quatro personagens femininas de maior destaque, duas são tratadas como apoio dos maridos no âmbito doméstico e duas são introduzidas na obra para proporcionar cenas de sensualidade e violência atrelada ao sexo.

Cabe ainda destacar uma cena em que Sam (Michael Madsen) e Beck (Eduardo Dussek) conversam em inglês sobre as famosas "brazilian pussy", em que um diz para o outro que é absurdo estar no Brasil e não ter transado com nenhuma brasileira. Eles objetificam as mulheres do país e as tratam como produto nacional a ser consumido (ou dado de presente como Rocha faz com Daniel).

Dos quatro policiais principais do filme, só um é negro. Seu nome é Rocha e ele é, de forma chamativa, o mais violento de todos. Grita, bate e faz vários comentários em que normaliza a violência e destila raiva contra os investigados pela polícia. É ele quem ativamente bate e tortura o homem preso durante a capoeira (enquanto Lua, que é branco, fica sentado, conversando calmamente e ameaçando com um revólver). Há também uma ambiguidade sobre Rocha ter se unido aos bandidos e estar traindo a polícia, havendo a suspeita dele não ser confiável.

Daniel, que é branco, questiona a violência nas ações da polícia, diz que aquilo não pode acontecer e mais de uma vez compara a situação com a época da ditadura militar. Posteriormente, suas ações vão se afastando desse discurso inicial e a manifestação da violência surge em um processo crescente - algo que em Rocha já se apresenta bem definido desde o início.

Enquanto só um dos quatro policiais em destaque é negro, dentre os presos e perseguidos pela polícia, muitos são interpretados por atores não brancos. Mas mesmo entre eles, há uma diferenciação. Existem três traficantes de "alto escalão" (Sam, Gallo e Beck), que movimentam muito dinheiro e organizam tráfico internacional de drogas. Todos eles são brancos. O filme mostra também outro grupo de traficantes, que vendem drogas em bares, festas e outros estabelecimentos pequenos (alguns de forma comprovada pelo roteiro do filme e outros investigados, perseguidos e torturados como suspeitos, sem que o roteiro deixe evidente as provas contra eles). É desse segundo grupo que fazem parte os atores pretos e pardos.

Cabe destacar novamente a cena em que Rocha “dá de presente” uma mulher para Daniel. O colega pergunta como ela é e ele diz que é loira, pois ele só gosta de mulheres loiras. Ao ser chamado de racista, diz que os gringos vêm para o Brasil e preferem as "mulatas" (termo usado pelo filme) e que ele prefere as loiras. Por ser questão de preferência, afirma que não se trata de racismo. Quando a moça aparece, vemos que ela é negra e usa uma peruca loira e lisa.

Não há representação LGBTQIA+ na obra.

2011
Simples Mortais
Tags: Cotidiano; relações familiares.
Sinopse: Jonas, Diana e Amadeu são personagens dessa narrativa sobre cotidiano e relações familiares. Enquanto Jonas se frustra por não conseguir escrever seu livro, Diana se submete a um tratamento para tentar engravidar. Amadeu, por sua vez, tem arrependimentos e vive uma vida sem graça.
Equipe técnica principal
masculino
100%
branca
100%
Elenco principal
feminino
42.86%
preta
14.29%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O elenco é composto majoritariamente por pessoas brancas. Apenas Amadeu, interpretado por Chico Sant’Anna, é uma personagem negra relevante.

Se no elenco e na narrativa principal há quase uma ausência de personagens não brancas, as mulheres negras aparecem como coadjuvantes e sexualizadas. Jonas (Leonardo Medeiros) busca na pornografia e na prostituição uma compensação por se sentir fracassado em relação à escrita do seu livro. Durante essa busca, nós vemos Lilith, uma mulher negra que abre a webcam para fazer strip-tease para os clientes e também conhecemos uma travesti negra que é prostituta.

As outras duas mulheres no elenco principal - Diana (Narciza Leão) e Kátia (Alice Stefânia) - são mulheres controladoras e egoístas. Diana tem um ótimo emprego e contatos na televisão, o que faz seu marido, Gabriel (Sérgio Sartório), se sentir inferiorizado nas tentativas que a esposa faz para indicá-lo a algum programa de televisão. Toda a narrativa de Diana é focada na tentativa de engravidar, por ser uma mulher difícil e obstinada, sua personagem é relegada a um final trágico, retirando do corpo dela a possibilidade de ser mãe. Kátia, por sua vez, é uma esposa que busca ser o que o marido Jonas um dia já foi. Quando descobre a traição do marido quer se livrar das duas coisas que ele mais gosta: o passarinho e as páginas já escritas do livro. A musa - assim indicada nos créditos finais - de Jonas é sua aluna e se chama Yara (Tatiana Muniz). Yara está sempre com roupa colada e curta e a maioria de seus diálogos carregam duplo sentido de caráter sexual. Dessa forma, o filme relega as mulheres a papéis sexualizados e controladores ou sem graça, além de minimizar a narrativa de uma delas ao desejo de ser mãe (apesar do seu destaque profissional).

A relação mais interessante do filme, ainda que carregada de diálogos de cunho sexual, é a de Amadeu com seu filho Kdu (Eduardo Moraes). Amadeu tenta de diversas formas se aproximar do filho, inclusive chora e abre o coração para ele, expondo os arrependimentos, o luto e a dificuldade em dar ao filho a vida que ele merece.

Por fim, é importante destacar que o filme não tem nenhuma representação LGBTQIA+ no elenco principal.

2011
Um Assalto de Fé
Tags: Comédia; Religião; Assalto; Brasília; Salvador; Amizade.
Sinopse: O tesoureiro de uma igreja evangélica convence seus amigos a assaltar a igreja no dia de um grande show gospel. A gangue se dá bem até o momento em que tudo começa a sair do planejado.
Equipe técnica principal
feminino
57.1%
branca
100%
Roteiro e direção de Cibele Amaral, produção executiva de Ana Maria Muhlenberg e direção de arte de Poema Muhlenberg.
Elenco principal
feminino
46.1%
preta
23%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

Galinha e Lapão são dois amigos que trabalham em um supermercado. Nildinha é evangélica e stripper. Jerônimo é tesoureiro de uma igreja evangélica e namora a filha do pastor. Galinha, Lapão, Jerônimo e Nildinha unem-se para assaltar uma igreja evangélica.

O filme é uma comédia que aponta para a questão social e faz críticas à religião, porém também acaba por, muitas vezes, reforçar estereótipos negativos. Quando Jerônimo conhece Nildinha, por exemplo, fala que ela já está ficando velha e que perderá seus clientes, um comentário etarista. O motorista do assalto, Japonês, que é gordo, capota o carro porque se engasga com um churrasquinho e no filme é falado muitas vezes que ele só pensa em comer, um estereótipo gordofóbico. Galinha, personagem principal, é negro, criminoso e pobre, o que acaba também por reforçar mais estereótipos.

Não há personagens apresentadas como LGBTQIA+ no elenco principal. Na cena do assalto à igreja evangélica, durante o culto, há um homem que sobe ao palco para ser livrado do "bicho do homessexualismo", como grita o pastor, referindo-se à postura preconceituosa e até criminosa que algumas igrejas apresentam em relação à comunidade LGBTQIA+. Assim, apesar do filme ser carregado de estereótipos, há também uma crítica pungente ao comportamento discriminatório de algumas pessoas ou comunidades religiosas.

2013
A Última Estação
Tags: Imigração; Líbano; tradições árabes; viagens pelo Brasil; virgindade.
Sinopse: Ainda adolescentes, os irmãos Tarik e Karim viajaram de navio do Líbano para o Brasil. Na viagem, conheceram outros meninos que marcaram para sempre suas memórias. Décadas depois, Tarik acredita que está morrendo e que precisa pagar uma antiga dívida. Faz então uma viagem por vários recantos do Brasil, acompanhado pela filha, procurando pistas que o levem a Ali, um de seus antigos companheiros.
Equipe técnica principal
feminino
33.3%
branca
100%
Produção executiva de Beth Curi e Carmen Flora
Elenco principal
feminino
66.6%
preta
33.33%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

Apesar dos créditos iniciais do filme apresentarem apenas três nomes, o elenco é mais extenso, contando com algumas personagens femininas de destaque.

É o caso de Layal, uma jovem que viajou no mesmo navio que o protagonista, acompanhada do irmão, Mohamad. Ela e Tarik se interessaram um pelo outro, mas eram constantemente impedidos por Mohamad de se encontrar e até mesmo de conversar. Posteriormente, o espectador recebe a informação de que Layal foi obrigada pelo pai a se casar e que seu marido foi um homem bruto e violento. Vítima de violência doméstica, ela foi encontrada enforcada com a própria roupa. Apesar de aparecer em poucas cenas do filme e ser marcada especificamente como interesse romântico do protagonista, em suas pequenas transgressões para se encontrar com alguém que a família proibia e nos embates com o marido, é transmitida a ideia de uma personagem feminina forte, que tenta, da maneira que pode, se libertar de pressões e amarras de gênero vinculadas a costumes culturais e religiosos.

Após perder o contato com Layal, Tarik conheceu Aisha, que veio a se tornar sua esposa. Sabemos pouco sobre a personagem, e mais através de histórias contadas após a sua morte do que por sua efetiva participação no filme. Ela é unicamente vinculada à função de par romântico e de mãe, sem arco dramático nem desenvolvimento próprio. Através dessa personagem, o filme mostra uma tradição cultural que envolve fortes questões de gênero: a valorização da virgindade feminina e sua exigência no ato do casamento (com a exposição pública da mancha de sangue no lençol de núpcias como prova da existência do hímen).

Essa questão é retomada anos depois, quando Tarik vê Haroldo saindo do quarto da filha. Enfurecido, vasculha os lençóis, procurando alguma mancha de sangue que seja prova de que ela transou com o rapaz. Samia, criada no Brasil, em outra época e com outros valores e costumes, enfrenta o pai e diz que não sangrou porque não foi a primeira vez, não porque não transou. O pai levanta a mão para bater nela, mas Samia consegue segurar seu braço. Algum tempo depois, Tarik se acalma e a questão é aparentemente superada. As duas cenas podem indicar tanto uma comparação entre culturas diferentes quanto mudanças trazidas pelo tempo.

Samia é filha de Tarik e Aisha e é a figura feminina de maior destaque no filme. Ela é autêntica, fala o que pensa e muitas vezes não tem paciência com o pai e com os amigos dele. Se irrita quando os homens libaneses perguntam se ela está prometida, afirma que isso é ofensivo e que eles a tratam como se fosse um pedaço de carne. Tanto ela quanto Maria Cecília são representações de mulheres brasileiras nos tempos atuais, em um evidente contraste com Aisha e Layal.

Maria Cecília é garçonete de um estabelecimento em Ilhéus onde Tarik e Samia vão tomar sorvete. Despreocupada com o trabalho, ela prefere conversar com os clientes do que trabalhar. Ao contrário de Tarik, que é sisudo e preocupado, Maria Cecília é alegre e de bem com a vida. Ela traz leveza para Tarik, faz com que ele ria e o aconselha sobre como lidar com a filha. Maria Cecília acompanha o protagonista no último trecho de sua viagem pelo Brasil. De forma direta e assertiva, ela flerta com ele e deixa sempre evidente o que deseja. No final do filme, os dois se casam no Líbano.

Em relação à raça, alguns passageiros do navio, muitos vindos do Líbano e da Síria, são pardos. Ao desembarcar no Brasil, vários figurantes no porto são pretos, sendo a primeira imagem dos brasileiros. No decorrer do filme isso se altera à medida que Tarik viaja por diferentes regiões do país, com evidente destaque de figuração negra no Norte e no Nordeste. Na Bahia, Samia se interessa por Haroldo, um artista de rua, e Tarik se interessa por Maria Cecília. Os dois pares românticos são negros. No final do filme, no Líbano, duas mulheres desconhecidas veem Tarik e Maria Cecília em seu casamento e conversam entre si. As legendas indicam que uma pergunta para a outra o que será que Tarik viu naquela "abd" (palavra árabe que significa “escravo”), um termo racista.

Além de Maria Cecília, que é uma personagem de muito destaque no filme, Ali, o amigo tão procurado por Tarik, também é negro. Ele ocupa um papel importante na obra, salvando Tarik de um risco de afogamento na adolescência e sendo procurado por ele, por todo o Brasil, anos depois. Ali teve sucesso financeiro, comprou uma fábrica de papel e conseguiu juntar muito dinheiro ao longo das décadas. É ele quem proporciona a viagem de Tarik, Maria Cecília, Samia e Karim para o Líbano no final do filme e é o padrinho do casamento do amigo. Dessa forma, o filme não conta com muitos atores negros em relação à quantidade, mas os que participam do longa-metragem têm posição de destaque (apesar de serem personagens coadjuvantes).

O filme não tem representação LGBTQIA+.

2013
Cru
Tags: Adaptação do teatro; relações familiares; vingança.
Sinopse: Em um açougue no interior do Brasil, um homem contrata os serviços de um matador de aluguel, e confronta o seu passado.
Equipe técnica principal
masculino
100%
branca
100%
Elenco principal
feminino
28.6%
preta
14.3%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O filme, inspirado na peça teatral de Alexandre Ribondi, conta a história de um matador de aluguel e um possível cliente, que se encontram em um açougue em uma cidade do interior.

Há dois núcleos dramáticos, o primeiro centrado na interação entre as duas personagens principais, o assassino Cunha (Sérgio Sartorio) e o cliente Zé (Chico Sant’Anna), que conversam e combinam o crime sob os olhares e intervenções da travesti dona do bar, Frutinha (André Reis). O segundo núcleo é apresentado através dos flashbacks de Maria (Rosanna Viegas), que interage com o filho, o marido e a funcionária da hospedagem, Julia (Juliana Drummond). A história de Maria, sua família e Julia, é utilizada, dentro da narrativa, como suporte para a ação que ocorre no núcleo principal, seja através de memórias e lembranças das personagens que discutem, seja como fio condutor para compreensão da história. Dessa forma, as personagens de Maria e Julia não possuem arco dramático próprio e funcionam como apoio para a história de Cunha e Zé. O papel vivido por Rosanna Viegas é bastante forte e marcante para a história. Há pelo menos duas cenas que mostram Maria sendo assediada pelo marido. Apesar de ela evidentemente não querer transar com ele, o marido passa a mão pelo seu corpo de forma grosseira e invasiva. Em uma das vezes ela está chorando desesperada pelo filho, enquanto ele toca seu corpo ignorando completamente o contexto e a vontade da esposa. Na mesma hospedagem, Julia apanha do marido Jorge e é cuidada e consolada por Maria. Após cuidar de Julia com carinho, Maria se transforma de forma intempestiva, a ataca com violência e a ameaça, deixando claro que a odeia, tudo na mesma cena. Essa mudança de comportamento é inesperada e marca a personagem como alguém instável e controlada pelas emoções. São pouquíssimas personagens mulheres na obra e as que existem vivem uma dinâmica de falsidade, rivalidade e violência.

Quanto à representatividade LGBTQIA+, há somente a personagem Frutinha, uma travesti que é a dona do açougue onde acontece a negociação entre Cunha e Zé. Ela é retratada de maneira ambígua ao longo da história, mas pode-se dizer que carrega sua sexualidade e identidade de gênero como traços principais da construção da personagem, não se aprofundando demais nos outros traços. Além de ser violenta, Frutinha é constantemente ameaçada e maltratada por Cunha. Há uma certa associação de travestis à violência, embora possa ser lido como assertividade e defesa pessoal. Cabe destacar que o papel de Frutinha é feito por André Reis, um homem cis.

Já em relação à representação de raça, apesar de apresentar um ator negro como uma das personagens principais (Chico Sant’Anna), a questão racial não é tratada no filme.

2013
Nove Crônicas Para Um Coração Aos Berros
Tags: Relacionamentos; cotidiano; trabalho.
Sinopse: Pessoas com suas frustrações profissionais e amorosas se sentem com uma vontade avassaladora de mudar, de se reinventar. Assim, histórias se cruzam de maneira profunda ou superficial para que essas pessoas achem novos caminhos.
Equipe técnica principal
feminino
44.44%
parda
11.11%
Roteiro de Cristiane Oliveira*, produção executiva de Thalita Ateyeh e Marina Volpatto**, direção de arte de Valéria Verba.
*Divide a função com Gustavo Galvão. **Dividem a função com Guilherme Bacalhao.
Elenco principal
feminino
47.37%
parda
5.26%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

Por meio de uma narrativa cheia de encontros e desencontros, o filme tem a oportunidade de trazer diversidade nas histórias, entretanto não há muita diversidade de raça.

Apesar disso, temos mulheres tentando se reerguer depois de um fim de relacionamento, outras tentando se descobrir como seres que desejam e buscam independência para seus corpos e histórias. Ainda assim, é comum perceber a ligação das histórias das mulheres com os homens seja para buscar um novo amor, seja para se distanciar dele. A única exceção é o relacionamento entre Vanise e Rita - professora e aluna. Não fica claro se há um relacionamento amoroso entre elas, apesar de existirem alguns indicativos e insinuações que passam a sensação de que sim.

Os homens possuem mais diversidade em suas histórias: buscam os próprios sonhos, demonstram frustração com o trabalho de escritório, trazem questões sociais importantes à tona etc. Com exceção do anunciante em busca de uma banda, os homens são agressivos ou irônicos, contribuindo para uma identificação de masculinidade baseada em violência, porém, isso acaba por dar outras camadas de personalidades a eles, ainda que não falem muito ou não conheçamos tanto de suas histórias.

O filme traz uma pequena representação de mulheres e de pessoas negras e sem complexidade.

No ponto de vista da representação LGBTQIA+, a obra vincula um possível relacionamento amoroso entre professora e estudante a questões éticas no âmbito profissional e questões morais quanto à suposta diferença de idade. Na última cena, Marat Descartes aparece interpretando uma travesti, no entanto, por ser uma personagem que aparece para Leonardo Medeiros de diversas formas - entregador, carteiro, zelador -, ele torna-se um elemento quase onírico, não tratando-se de fato de uma representação de pessoas não binárias. 

2013
Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa
Tags: Viagem de carro; violência; tráfico de drogas.
Sinopse: Pedro abandona sua casa e sua família sem dar explicações e parte em uma jornada sem rumo pelas estradas do Brasil. Pelo caminho, conhece Lucas, um homem estranho e perigoso que se torna seu companheiro de viagem.
Equipe técnica principal
feminino
37.5%
branca
100%
Roteiro de Cristiane Oliveira*, produção executiva de Silvia Calza **, direção de arte de Valéria Verba.
*Divide a função com Gustavo Galvão e Bernardo Scartezini.**Divide a função com Gustavo Galvão.
Elenco principal
feminino
57.14%
parda
14.29%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O filme gira em torno de Pedro e Lucas, mas conta com quatro personagens femininas em destaque (Beatriz, Suely, Janaína e Virgínia) e outras três de menor destaque (Melissa e duas personagens sem nome).

Beatriz e Melissa fazem parte do passado de Pedro e ajudam o espectador a entender um pouco da vida que ele abandonou em Brasília. Beatriz é irmã do protagonista e passa o filme todo procurando pelo irmão desaparecido, conversando com seu chefe, a ex do irmão e com investigadores. Ela não tem arco dramático nem história própria, existindo na narrativa apenas em função de encontrar Pedro. As únicas coisas que sabemos sobre ela é que está se divorciando e que nunca foi muito próxima do irmão. Melissa é ex-companheira de Pedro e é procurada por Beatriz em sua investigação sobre o sumiço do protagonista. Ela e o protagonista moraram juntos por sete anos e se separaram há cerca de um ano. Fora isso, o espectador sabe apenas que ela trabalha com computação gráfica para arquitetura. Essas informações são entregues em uma única e rápida conversa com Beatriz e Melissa não aparece mais na obra.

Suely e Janaína viajam com Pedro e Lucas no início do filme e outras duas mulheres viajam com eles posteriormente (os créditos finais indicam que são prostitutas e não lhes conferem nomes). As quatro são retratadas apenas como conquistas sexuais de Lucas, com quem ele não se importa minimamente e a quem trata com desrespeito e arrogância. Lucas interrompe as moças e é grosseiro com elas. Quando não dão consentimento para algo, ele se irrita e as ofende. Quando se cansa das mulheres que estão com ele, abandona-as na estrada, sem nenhuma preocupação com sua segurança ou bem-estar. Ele é obcecado por peitos, especialmente por peitos de adolescentes e pela fase em que eles estão começando a crescer, fala sobre isso o tempo todo. Cabe destacar que isso, associado à sua personalidade violenta, cria uma atmosfera perigosa, mesclando machismo escancarado, desrespeito, violência e insinuações de pedofilia. Em determinado momento do filme, Pedro faz a mesma coisa que Lucas fez com Suely e Janaína e deixa as outras duas mulheres em um posto de gasolina, no meio da estrada, quando fazem uma parada para usar o banheiro. Lucas só percebe tempos depois e ri da situação, deixando evidente que não se importa com elas e nem mesmo percebe sua ausência.

Há uma última mulher na história, Virgínia, que Pedro conhece em Ouro Preto. Eles se conhecem em frente a uma igreja, vão para o hotel e transam. Em seguida, vão a um restaurante e Pedro também a abandona, replicando um comportamento repetido ao longo de toda a obra. Todas as cinco mulheres que Lucas e Pedro encontram pela estrada são abandonadas depois que eles transam com elas.

Em relação à raça, o protagonista Pedro, interpretado por Vinícius Ferreira, foi classificado como pardo, tendo um papel de grande destaque e participando de quase todas as cenas do filme. Além dele, o único ator não branco do filme é Chico Sant’anna, que interpreta um dos investigadores que está em contato com Beatriz para investigar o sumiço do protagonista. Ele aparece pouco na narrativa e seu nome não consta nos créditos como elenco principal.

Em relação à representação LGBTQIA+, há uma atmosfera ambígua criada em torno de Lucas. Ele é mostrado transando com mulheres, mas também é retratado algumas vezes assediando o protagonista, criando um clima agressivo, chegando muito próximo dele, tocando-o contra sua vontade, introduzindo assuntos sexuais descontextualizados, impedindo-o de sair do banheiro, prensando-o contra a parede (inclusive quando Pedro está bêbado e vulnerável) e criando um clima de perigo constante. Em determinada cena, o traficante Jesus entrega drogas para Lucas como cortesia e pergunta se ele “gosta de dar o cu”. Lucas ri e só fala “que figura”. O diálogo é solto e sem explicação. Ou é uma pergunta séria que fica sem resposta ou é o tipo de “brincadeira” entre amigos normalizada pela homofobia. Alguns outros comentários parecidos se repetem na obra, como por exemplo quando Lucas se irrita com Pedro e grita “deixa de ser viado” e quando a dupla vai entregar drogas em um motel e o cliente pergunta em tom ofensivo e pejorativo se “as duas bichonas estavam se esfregando na frente da porta dele”. Pedro e Lucas riem. O filme é repleto de comentários que demonstram essa normalização da homofobia.

Em conclusão, nenhuma personagem é abertamente LGBTQIA+, mas são criadas insinuações a respeito de Lucas ser bissexual, todas envoltas em um tom negativo, associando-o a assédio e violência. Além disso, os diálogos contêm homofobia tratada com naturalidade compondo os perfis de homens preconceituosos e agressivos.

2015
Até Que A Casa Caia
Tags: Divórcio; relações pessoais; família; corrupção.
Sinopse: Ciça (Virginia Cavendish) e Rodrigo (Marat Descartes) são ex-mulher e ex-marido, que vivem juntos com o filho adolescente, Mateus (Emanuel Lavor), sob o mesmo teto. Rodrigo vai trabalhar na política, e começa a namorar a secretária Leila (Marisol Ribeiro). Ela vai morar com o ex-casal provocando uma mudança na rotina de todos.
Equipe técnica principal
feminino
60%
branca
100%
Roteiro e produção executiva de Lu Teixeira, direção de arte de Carol Tanajura.
Elenco principal
feminino
50%
branca
100%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O filme foca em Rodrigo (Marat Descartes), Ciça (Virginia Cavendish) e o filho adolescente dos dois, Mateus (Emanuel Lavor). Ciça e Rodrigo estão divorciados, mas moram na mesma casa e estão aprendendo a conviver com esse novo arranjo familiar.

A história explora o ponto de vista de Rodrigo, professor em condições precárias que vai ao gabinete de um deputado pedir ajuda para o programa de alfabetização de adultos, mas é convidado para trabalhar lá e assim desenvolver as suas ideias. No decorrer do trabalho, ele percebe que o gabinete é bastante corrupto e acaba aceitando as condições, chegando a participar de esquemas criminosos. Com o novo trabalho, ele começa a se relacionar com a secretária de gabinete, Leila (Marisol Ribeiro), trazendo-a para morar em sua casa junto com sua ex-esposa e seu filho.

O filme também explora o ponto de vista de Ciça, sua ex-esposa que trabalha em casa atendendo a clientes como Astróloga e realizando outras terapias. Ela vê sua rotina ser transformada com a presença de Leila e as decisões arbitrárias do ex-marido.

O ponto de vista de Mateus também é apresentado, que vê o exemplo dos pais transformarem suas atitudes, tornando-se irresponsável e agressivo. Ele e seus amigos perpetuam diversos comportamentos machistas em relação à nova namorada do pai (ao observar secretamente a relação deles) e às meninas da escola. A obra evidencia os homens arbitrários, explosivos (Rodrigo e Matheus) e com pouca responsabilidade afetiva em relação aos que convivem com eles.

Já entre as personagens mulheres, temos dois opostos, Ciça é uma mulher presente em casa, nos afazeres domésticos e no seu trabalho autônomo. Ela está confusa sobre os seus sentimentos e sobre a sua relação com seu ex-marido. Também está em busca de equilíbrio nessa nova fase, o que a leva a buscar apoio em uma terapia de grupo. Ciça é totalmente refém das decisões de Rodrigo apesar de sempre apoiá-lo quando ele precisa. Já Leila se apresenta como uma mulher inconveniente, superficial e interesseira que faz de Rodrigo refém dos seus desejos e uma ferramenta para alcançar o que almeja.

Do ponto de vista de raça, as personagens não-brancas são acessórios na trama, como o professor (Chico Sant’Anna), que relata que devido às más condições de trabalho faz o mínimo; o cliente de Ciça com problemas astrológicos (Vinícius Ferreira); o pedreiro (André Deca); e o vendedor oriental de produtos piratas (Yu Zhiming, nos créditos finais a personagem é indicada como: Chinês).

 O filme não tem representação explícita de personagens LGBTQIA+. 

2015
Branco Sai Preto Fica
Tags: Documentário; ficção científica; viagem no tempo; Ceilândia; violência policial.
Sinopse: Marcados pela violência policial anos atrás, dois moradores de uma comunidade distópica se juntam a um visitante do futuro para tramar a derrubada do sistema.
Equipe técnica principal
feminino
33.33%
preta
33.33%
Produção executiva de Simone Gonçalves*, direção de arte de Denise Vieira.
*Divide a função com Adirley Queiroz.
Elenco principal
masculino
100%
preta
100%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

Branco sai, Preto fica, embora não possua nenhuma mulher no elenco principal (Gleide Firmino faz uma pequena aparição em um momento e dá a voz a uma mensageira do futuro), é um filme carregado de representação da vivência de uma Brasília periférica.

O filme aborda os gêneros de documentário, drama e ficção científica. Conta a história de Marquim (Marquim do Tropa) e Sartana (Shockito), dois homens que no passado sofreram devido à violência policial, e de Dimas Cravalanças (Dilmar Durães), um funcionário público que veio do futuro investigar essa ação policial e responsabilizar o Estado brasileiro. O filme alterna entre lembranças do passado - dos bailes e do massacre do Quarentão –, cenas do cotidiano de Marquim e Sartana, que preparam um ataque terrorista “sonoro” para lançarem sobre Brasília e, por fim, a investigação de Dimas Cravalanças. Dentro desse universo, o filme representa bem a questão racial e a vivência de pessoas com deficiência, sendo que a narrativa é fortalecida pelo elenco e pelas personagens (reais) que orbitam a trama, como a figura do DJ Jamaika e o rapper Dino Black.

O filme não tem representação LGBTQIA+.

2015
O Último Cine Drive In
Tags: Cinema; drive-in; relações familiares.
Sinopse: Marlombrando volta à Brasília para cuidar de sua mãe Fátima que está internada no hospital público da cidade. Quando não pode mais entrar no hospital para dormir ao lado da cama da mãe, Marlom vai até o Cine Drive-in de seu pai. No processo da doença da mãe, Marlom reconstrói o cinema e também a relação com o pai.
Equipe técnica principal
feminino
33.33%
branca
100%
Produção executiva de Carol Barboza, direção de arte de Maíra Carvalho.
Elenco principal
feminino
37.5%
preta
12.5%
parda
12.5%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O foco da narrativa é Marlombrando (Breno Nina) e o seu pai, Almeida (Othon Bastos), que dedicou o seu tempo e o seu dinheiro ao Cine Drive-in.

As três personagens mulheres são bem diferentes entre si e não são estereotipadas, entretanto não há muito espaço para elas na narrativa. Fátima (Rita Assemany) tem uma relação próxima com o filho Marlom, que cuida dela com muito carinho e atenção - um traço, inclusive, não heteronormativo, o que torna essa representação positiva. Ela está no hospital e em alguns momentos do filme é possível acompanhar o andamento da doença dela. Fátima não tem muito diálogo e tempo de tela. Fernanda (Rosanna Viegas) é a médica responsável por Fátima durante o período de diagnóstico e tratamento da doença. Aparece bem pouco, mas é assertiva e se posiciona contra o pedido de Marlom de tirar a mãe do hospital no pior momento da doença dela. Já Paula (Fernanda Rocha), que está grávida, trabalha e mora no Cine Drive-in. Ela possui conhecimento técnico para operar o projetor cinematográfico, é assertiva e não é construída de forma heteronormativa, pelo contrário, responde a todos, é dona de si e é questionadora.

As personagens não-brancas - Zé (Chico Sant’Anna), Aldo (André Deca) e Luís (Vinícius Ferreira) - são coadjuvantes na narrativa, servindo de suporte para o enredo e desenvolvimento de outras personagens. Zé é uma personagem secundária, mas com uma grande presença tanto na vida das outras personagens quanto para demonstrar contraste entre a sua relação com Marlom e a dele com o pai: Marlom trata Zé com amor, com saudade, já o pai, ele despreza e não conversa mais do que o essencial.

A representação de raça não é satisfatória, assim como a de gênero, por se tratarem de papéis secundários ou de apoio na trama. Por fim, é importante destacar que o filme não tem nenhuma representação explícita LGBTQIA+.

2016
O Outro Lado do Paraíso
Tags: Golpe Militar; Construção de Brasília; sonhos; amor juvenil; movimento sindical.
Sinopse: Em busca de “Evilath”, o Paraíso, Antônio leva sua família do interior de Minas Gerais, para Brasília, a nova capital federal. O sonho, no entanto, é arruinado quando o presidente João Goulart sofre o Golpe Militar em 1964, afetando toda sua família e obrigando-os a voltar para Minas. Mesmo com todas as dificuldades, Antônio entende que a felicidade na vida não é sobre alcançar os sonhos e sim a busca, retomando a vida de “caçador” do paraíso.
Equipe técnica principal
feminino
20%
branca
90%
amarela
10%
Produção executiva de Beth Curi e Carmen Flora*.
*Dividem a função com Marcio Curi.
Elenco principal
feminino
50%
preta
14.29%
parda
7.14%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

Antônio (Eduardo Moscovis) é um homem religioso e sonhador que busca o Paraíso, prosperidade e independência. Ele troca a casa em que vive com a sua família, dada pelo sogro, por um caminhão, mudando do interior de Minas para Brasília.

A família é composta por Antônio, Nancy (Simone Iliescu), sua esposa, Sueli (Camila Márdila), a filha mais velha, e Nando (Davi Galdeano), o filho mais novo. A história é contada a partir da ótica de Nando, menino dedicado à leitura, que preserva o seu amor juvenil por Alice (Taís Bezerril), que permanece em Minas Gerais, através de cartas. Ele acaba encontrando um novo amor, Yara (Maju Souza), em Brasília. Enquanto isso, sua irmã Sueli, desenvolve um romance com o militar anticomunista Ricardo (Iuri Saraiva).

A família encontra dificuldades no “paraíso” devido às desigualdades sociais da capital e às condições precárias de trabalho. Antônio acaba integrando os movimentos sindicalistas e grupos comunitários; todavia, com o aumento da restrição à liberdade, que culmina no Golpe Militar, Antônio é preso e a família se vê forçada a voltar para Minas. Mesmo com todas as dificuldades, Antônio, depois de liberto, retoma a busca pelos sonhos, caindo na estrada mais uma vez.

Sob a ótica de gênero, as histórias são centradas nas decisões de Antônio para realizar o seu sonho de encontrar o paraíso, decisões muitas vezes arbitrárias, tomadas sem consultar a família, como a troca da casa por um caminhão, a mudança para Brasília, o uso do dinheiro do lote para a compra de uma TV e a sua participação nos movimentos sociais. As personagens femininas se apresentam como acessórios sem um desenvolvimento de arco dramático próprio, apesar de existirem personagens de destaque, como a esposa de Antônio, Nancy, que não apoia as decisões do marido, mas é obrigada a acatar; as professoras Yolanda, mentora e incentivadora de Nando e Marina (Stephanie de Jongh), com uma participação pequena de apoio à família; Sueli que se envolve com o “inimigo”; Yara filha de Yolanda e companheira de jornada de Nando; e no início, Alice, confidente de Nando que cuida aparentemente sozinha da mãe doente.

Em relação à raça, a personagem preta de maior destaque é Janjão (Flávio Bauraqui), integrante dos grupos sindicais que lutam por justiça e pelos direitos dos trabalhadores. Há também Enide (Mariana Nunes), nova moradora da casa de Alice, que revela a Nando que as cartas que não chegaram a Alice.

Na ótica de diversidade sexual, o filme não tem menção clara e objetiva a LGBTQIA+.

2016
Uma Loucura de Mulher
Tags: Comédia; romance; casamento; loucura; política.
Sinopse: Lúcia é assediada por um político aliado de seu marido, candidato a governador, e reage, dando-lhe um tapa. O incidente reverbera, ameaçando a carreira política de seu marido, que, por isso, decide interná-la em uma clínica psiquiátrica. Ela foge de Brasília para o Rio de Janeiro e lá encontra uma oportunidade de se reinventar.
Equipe técnica principal
feminino
25%
parda
12.5%
Roteiro de Angélica Lopes e Kirsten Carthew*.
*Dividem a função com Marcus Ligocki Jr.
Elenco principal
feminino
33.33%
branca
100%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O filme é uma comédia romântica que possui como premissa duas questões de gênero de grande importância: a tendência (histórica) de rotular mulheres que se rebelam contra a opressão como loucas e a expectativa de que as mulheres abandonem seus sonhos individuais para servir de suporte para as aspirações de seus maridos. No entanto, como é típico das obras de comédia, o filme tende a se basear muito em estereótipos cômicos como a amiga intrometida, o marido pateta, o galã que aparece para defender a honra da mocinha entre outros. Ademais, nenhuma das questões mais sérias que servem como ponto de partida são exploradas de forma mais profunda.

A protagonista, Lúcia (Mariana Ximenes), é descrita como “geniosa” em momentos, no entanto, na maior parte do tempo, atua como uma mocinha clássica: é meiga e convencionalmente atraente sem ser excessivamente sexualizada (em oposição a noiva de seu pretendente romântico, que é caracterizada como superficial e obcecada por procedimentos estéticos). Lúcia está sempre disposta a se sacrificar para o bem de seu marido (Bruno Garcia), além de perdoar suas traições (românticas ou não) em pelo menos duas oportunidades. É interessante também notar que não há limites na relação de Lúcia com outras personagens. Seu marido acredita poder interná-la à força numa clínica psiquiátrica (e só não o faz porque ela escapa dentro do porta-malas do carro de uma amiga). Rita (Guida Vianna), a amiga que Lúcia faz ao retornar para o Rio de Janeiro, entra em seu apartamento diversas vezes sem autorização, além de pagar para um garoto de programa fazer sexo com a amiga sem que ela saiba que é um arranjo. Josenildo (Zéu Britto), o porteiro do prédio onde se passa a maior parte do filme, revela informações pessoais de Lúcia a todo o momento (sempre em cenas de teor cômico). Tudo isso contribui para diminuir a força da protagonista na própria história.

Os dois protagonistas homens do filme são Gero, o marido de Lúcia, e Raposo (Sergio Guizé), um antigo namoradinho de infância que Lúcia reencontra quando vai buscar refúgio no Rio. Ambos são bem-sucedidos: Gero é político e Raposo é um renomado cirurgião-plástico. Também são homens determinados e decididos (em oposição a Lúcia, que não sabe se quer voltar para Brasília ou ficar no Rio de Janeiro), apesar de que em Gero essas características são expostas com um viés de autoritarismo e egocentrismo.

Ainda assim, o filme acaba por passar uma mensagem positiva, pois Lúcia consegue, ao fim, se separar e sair em busca de seu próprio sonho, demonstrando que há possibilidade de reinvenção para mulheres presas em um casamento infeliz e, muitas vezes, abusivo.

Não há personagens negras ou LGBTQIA+ no filme.

2018
A Repartição do Tempo
Tags: Comédia; serviço público; Brasília; quadrinhos; duplos; ficção científica; viagem no tempo; burocracia.
Sinopse: Um cientista registra a patente de uma máquina do tempo e o chefe do departamento vê a oportunidade de usar o invento para aprisionar os empregados no porão e obrigá-los a trabalhar.
Equipe técnica principal
feminino
14.3%
parda
28.6%
Produção executiva de Gisela Stangl*.
*Divide a função com Adler Paz.
Elenco principal
feminino
25%
parda
25%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O filme é uma comédia de ficção científica, com viagem no tempo e duplicação de pessoas. Como característica de muitas comédias, é cheia de estereótipos.

Toda a narrativa é centrada dentro de um órgão do serviço público federal, no caso, o REPI: Registro de Patentes e Invenções. Há no ambiente de trabalho o servidor que simplesmente não trabalha e só assiste à TV, uma que bebe durante o expediente, outro que desenha, um que vende maconha, uma que distribui panfletos para a próxima assembleia.

Em relação às personagens mulheres, o estereótipo é apresentado, por exemplo, com a personagem da "secretária sexy" que tem um caso com o chefe (mas que na verdade gosta de um colega de trabalho). Há também a senadora, mãe de Lisboa (Eucir de Souza), que o colocou lá por meio de sua influência política e que esconde os erros do filho por mais que também o xingue pelos problemas que causa. Carol (Bianca Muller) é uma mulher tranquila e até "recatada", no seu jeito, na forma de falar e em suas roupas. Porém, quando enfim acredita em Jonas e entende que seus duplos estão presos no porão do prédio em que trabalha, ela resolve ajudar os amigos, mesmo correndo perigo. Assim, apresenta uma transformação, caracterizando a presença de arco dramático. Ela transforma-se em uma personagem com camadas, podendo ser caracterizada como uma personagem redonda ou complexa - em oposição à uma personagem plana ou superficial. Assim, mesmo dentro de estereótipo, há boas representações de mulheres na trama, com uma variedade interessante e com a apresentação de personagens com construção de camadas e evolução de suas narrativas.

Jonas (Edu Moraes) é o protagonista, que inclusive desenha, no início do filme, os duplos em seus quadrinhos, como uma previsão do que estaria por vir. Ele é o único personagem pardo do elenco principal, mas por ser o protagonista é um destaque positivo para a representação de raça.

Não há personagens LGBTQIA+. 

2018
O Colar de Coralina
Tags: Poeta; biografia; infância; Cora Coralina.
Sinopse: A história é contada pela memória da infância de Aninha, conhecida pelo seu pseudônimo de poeta, Cora Coralina (Maria Coeli), nome que surgiu a partir de um acidente com o prato azul- pombinho que pertencia à coleção de sua bisavó Antônia e que, após quebrar, se tornou pingente de colar. O filme se passa em 1899 e narra as aventuras de Aninha (Rebeca Siqueira / Vasconcelos), uma futura poeta e doceira, rodeada de figuras femininas e marcada pela opressão dos costumes da época.
Equipe técnica principal
feminino
50%
parda
16.67%
preta
16.67%
Produção executiva de Laura Gontijo e Carina Bini, direção de arte de Teresa Labarrère.
Elenco principal
feminino
100%
parda
16.67%
preta
16.67%

Representação Ótica de Gênero, Raça e LGBTQIA+

O filme é centrado nas doze mulheres presentes na vida de Cora (Aninha). Na ótica de gênero, por se tratar de um filme de época, ele traz diversos discursos estereotipados, em especial sobre como a mulher deve se portar: ficando em casa, treinando dotes domésticos, casando-se cedo, em suma, criando a imagem da “mulher direita”. No entanto, alguns desses discursos vão sendo desconstruídos no decorrer da trama pelo posicionamento de Aninha, Jacintha (Letícia Sabatella) e Antônia, que apresentam opiniões contrárias a essas ideias. Aninha se posiciona ao preferir a leitura e a imaginação. Jacintha, mãe de Aninha, apesar de reforçar a importância do casamento e dos dotes domésticos, se posiciona firmemente como uma mulher de negócios com o objetivo de melhorar as condições financeiras da família, independente do que os outros pensam. Ela incentiva Aninha a ler, apesar de reconhecer que a sociedade não vê com bons olhos mulheres que possuem o hábito de leitura. Já Antônia apoia Jacintha e Aninha em frente às críticas de todas.

Do ponto de vista de raça, dentro do núcleo familiar, existem duas personagens negras que se destacam, Dindinha e Lizarda. A avó Dindinha (Paula Passos) é bastante conservadora, com opiniões contrárias à abolição da escravatura, apoiadas pelas tias, e também tem discurso tradicional de gênero ao falar que “quem cuida bem da casa, cedo casa” e que é a “barriga que prende um homem”. Mas, apesar de todas as críticas dirigidas aos hábitos de Aninha, Dindinha acaba aceitando que ela faça o que gosta. Já Lizarda (Valdelice Moreno), “criada” da família, com bastante personalidade, é responsável por cuidar e ensinar os afazeres domésticos às meninas, reforçando os ensinamentos de “meninas de família”. O filme também traz a menção da história do casal de namorados chineses pintado no fundo do prato azul-pombinho, contada pela bisavó Antônia, sobre o amor entre a princesa obrigada pelo seu pai a casar com um príncipe poderoso que não amava, fugindo para um quiosque com um plebeu. Seu pai mandou queimar o quiosque com os namorados, mas eles fugiram pelo mar, pois receberam um aviso de um pombo correio.

 Na ótica de diversidade sexual, o filme não possui menção a pessoas LGBTQIA+.

Este projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal